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Entrevista com o bispo Robinson Cavalcanti

"Vivemos hoje na Igreja o vazio de uma geração sem heróis, sem modelos de vida consagrada em liderança madura e ética", diz o bispo.

Em meio ao processo eleitoral de 2010, CRISTIANISMO HOJE foi buscar a opinião de um dos maiores especialistas em política do segmento evangélico brasileiro. Robinson Cavalcanti, bispo da Diocese Anglicana do Recife (PE), define-se como um evangélico progressista, o que já lhe rendeu polêmicas – não apenas na seara política, mas também, comportamental. Autor de livros como Uma bênção chamada sexo, lançado no já distante ano de 1976, Cavalcanti nem sempre tem suas posições claramente compreeendidas pela Igreja.
Apesar disso, o bispo não abre mão da defesa de princípios claros não só nas Escrituras, mas no que chama de o consenso histórico dos fiéis. Um deles diz respeito à homossexualidade, tema que já provocou rachas em sua denominação, por conta do avanço da teologia liberal. “Uma coisa é o reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos e a afirmação de direitos civis isonômicos para todos os cidadãos de um Estado democrático de Direito e laico”, advoga. “Outra é a crença nas Sagradas Escrituras como revelação de preceitos éticos comportamentais válidos para todas as épocas, lugares e culturas”. Robinson Cavalcanti concedeu esta entrevista às vésperas do primeiro turno das eleições gerais:

CRISTIANISMO HOJE –Qual leitura o senhor faz do atual processo eleitoral brasileiro?

No Brasil, nós continuamos com um sistema eleitoral distorcido. Um candidato menos votado pode ser eleito enquanto um outro, que obtenha mais votos, acabar derrotado para os cargos proporcionais. Continuamos também com casas legislativas que são o inverso da pirâmide social do país: há muita gente do topo e pouca gente da base. Os candidatos a cargo majoritário são escolhidos em processo fechado – ou seja, “escolhemos” entre os que foram escolhidos para que nós escolhêssemos. Assim, não há novos nomes, novas propostas. Enfim, estamos para escolher entre seis, meia dúzia e duas vezes três. Como o voto obrigatório ainda é uma necessidade no nosso atual estágio político, votar em qualquer um somente beneficia os piores. Isso acaba levando o eleitor à desmotivação e à descrença na classe política, o que leva não só à abstenção e ao voto nulo ou em branco, mas ao voto irresponsável. Quem sai perdendo é o povo e a consolidação do regime democrático em nosso país.

No fim de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixa o poder, depois de oito anos. Qual é o seu legado para o país?

Entra governo e sai governo, e a saúde, a educação e a segurança pública parecem não avançar. Lula se espelhou em Getúlio Vargas [presidente entre 1930-1945 e 1951-1954], mantendo os privilégios das elites, cooptando o sindicalismo, esvaziando os movimentos populares e estatizando o clientelismo. A cidadania foi enfraquecida à base do pão e do circo, e velas foram acesas para Deus, o diabo, todos os santos e todos os orixás. De algum tempo para cá, se tem registrado um descrédito não só dos candidatos e partidos, mas da própria democracia na América Latina. Isso é motivado pela falta de ética e de transparência, além da escassez de resultados transformadores no campo social, que reduzam as terríveis desigualdades sociais e regionais encontradas entre nós.

E para o segmento religioso, o que fica?

No passado, Lula foi dolosamente satanizado pela direita protestante e pelos clientelistas, mas terminou por cooptar essa gente com uma cota de favores. Basta ver quem está próximo dele. O presidente trocou frei Beto por Marcelo Crivella como conselheiro político. Ele distanciou-se da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] e jogou um pouco para cada plateia religiosa, como fez ao comparecer, recentemente, nas comemorações dos 150 anos da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Dentro deste processo de esvaziamento político, as candidaturas evangélicas ainda mobilizam os eleitores crentes?
Tenho sempre diferenciado o evangélico político – que é um cidadão honrado e capaz, que se credencia perante o conjunto do eleitorado e busca o bem comum – e o político evangélico, aquele que se elege com o voto de cabresto eclesiástico. Este é aquele que se elege à base do clientelismo, do corporativismo, daquela busca de favores e vantagens para as igrejas. Aí entram as candidaturas oficiais de igrejas, que começam a se desgastar – tanto, que a maioria não se elege. Essa prática é negativa para a maturidade política dos cristãos em uma sociedade multipartidária e de voto livre.

Temas caros aos evangélicos, como legalização do aborto e das uniões homoafetivas, foram defendidos pelo governo federal nestes oito anos. O próximo governo deve aprofundar essa discussão com a sociedade?

Questões como essas transcendem o atual governo, ou a atual coligação partidária. Elas são parte da agenda pós-moderna, e encontram defensores em todos os partidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, é diferente. Lá, temas ligados à moral são divididos por linhas partidárias. Aqui, há gente contra e a favor em todos os partidos. Mas creio que os políticos brasileiros estão percebendo a reação dos segmentos religiosos da sociedade e tendem a moderar a ênfase nessas bandeiras.

Na sua opinião, a Igreja corre o risco de perder seu papel profético na sociedade?

Creio que sempre teremos segmentos da Igreja Evangélica exercendo o seu papel profético de consciência moral da nação, mas, no caso do Brasil de hoje, de maneira minoritária. A política como que “mundanizou” a Igreja, levando-a a dançar conforme a música dos nossos costumes corrompidos. A Igreja nunca estudou a fundo a questão da heterossexualidade dos seus membros, preferindo cair em um legalismo moralista, e agora está tendo que enfrentar a tempestade da onda homossexual secular. E a enfrenta da maneira mais equivocada, ora demonizando, ora fazendo corpo mole, e até justificando o comportamento homossexual, quando há lugar para uma reafirmação segura e lúcida dos princípios bíblicos entendidos ao longo da história da Igreja pelo consenso dos fiéis.


Então, a Igreja regrediu na discussão da sexualidade?

Fui o primeiro autor de um livro evangélico sobre sexualidade no Brasil, quando publiquei Uma bênção chamada sexo (ABU Editora) em 1976. Até hoje, continuo a pensar da mesma forma, e lamento não ter sido ouvido. A Igreja avançou em muitos aspectos, mas regrediu quanto à sexualidade. Hoje, temos um discurso rígido, no qual uma moral aparente convive com uma moral subterrânea, clandestina, dentro das igrejas. É um dualismo doentio e hipócrita. O tema não tem sido enfrentado com honestidade bíblica e abertura a contribuições científicas.

A Igreja Evangélica no Brasil saiu de uma situação de gueto, até meados do século passado, a uma posição de segunda força religiosa do país, com intensa visibilidade social e econômica. Como a Igreja está chegando à segunda década do século 21?

Devemos lembrar que não existia essa mentalidade de gueto antes, quando as missões das igrejas históricas chegaram aqui entre a segunda metade do século 19 e a primeira metade do 20. Aquelas igrejas advogavam uma participação social, uma influência civilizatória. Tudo começa a mudar com o golpe de 1964 e a disseminação da heresia de que crente não devia se meter em política. A partir dali, apagou-se a nossa memória histórica e houve o avanço do fundamentalismo de direita e do conservadorismo, ora alienante, ora adesista. Apelamos para o novo nascimento e ensinamos a reta doutrina, mas não a transformação do caráter que nos faz agentes de transformação histórica. A Igreja padece de um déficit de ensino. O período da ditadura, com a repressão, sem dúvida colaborou para aprofundar essa distorção. Voltamos à cena com a última Assembleia Constituinte, mas sem o legado histórico e sem um conteúdo ético. O futuro se afigura fragmentado e diversificado quanto ao modo de ser dos evangélicos na política. Espero que a nascente Aliança dos Evangélicos do Brasil se constitua em um fórum de conscientização e mobilização, para que, ao menos, um setor da Igreja seja sal e luz.

O neopentecostalismo brasileiro surgiu neste período pós-64. É correto denominá-lo de evangélico?

O fenômeno neopentecostal é caracterizado pelo surgimento de seitas para-protestantes, já que não há vínculos históricos, teológicos ou doutrinários desse segmento com a Reforma. Sendo assim, denominá-los de “evangélicos” é uma imprecisão e um desserviço ao conjunto do evangelicalismo no Brasil.

Neste contexto, qual a diferença de significados entre os termos “evangélico” e “evangelical”?

O termo evangélico, no continente europeu, é apenas sinônimo de protestante, mas na Inglaterra da primeira metade do século 19 adquiriu um sentido próprio – era a afirmação de uma herança que vem de John Wycliffe, passando pela Reforma, o puritanismo, o pietismo, o avivamento wresleyno e o movimento missionário, caracterizada por uma afirmação das doutrinas do credo e dos pontos convergentes das confissões de fé reformadas. Esse movimento enfatizava a autoridade das Sagradas Escrituras, a conversão ou novo nascimento, a busca de santidade e a obediência ao mandado missionário. Na década de 1850, foi criada a Aliança Evangélica, e os seus seguidores, como Wilberfoce no passado ou John Stott no presente, sempre tiveram um compromisso social. O Movimento de Lausanne – com o seu Pacto – é uma das melhores faces do evangelicalismo mundial.

A Igreja Evangélica de hoje, ao contrário de outras ocasiões, não tem uma figura de destaque, que sirva de referência ao segmento. Esta carência, em sua opinião, traz mais vantagens ou prejuízos?

O que vivemos hoje é o vazio de uma geração sem heróis, sem modelos de vida consagrada em liderança madura e ética. Alguns antigos líderes entraram em crise e até renegaram o seu passado, causando muito sofrimento. Por outro lado, vemos uma promoção de lideranças artificiais e caudilhescas, o que é muito pior.

Pode-se dizer que o evangelicalismo existe no Brasil?

Bem, podemos dizer que o protestantismo brasileiro, dos seus primórdios até o golpe militar de 1964, era em sua grande maioria teologicamente evangélico, ou seja, evangelical. A presença do pentecostalismo, da escatologia pré-milenista e pré-tribulacionista e de algumas “missões de fé” acabaram por fortalecer o fundamentalismo a partir daquela data. O evangelicalismo progressista foi afirmado, nos últimos 40 anos, por entidades como a Fraternidade Teológica Lartinoamericana, a Aliança Bíblica Universitária, a Visão Mundial e outras organizações e pensadores.

Diversos autores apontam uma crise no ensino teológico, causada, entre outros motivos, pela carência de genuínas vocações e pelo advento de teologias heterodoxas. Como acadêmico, que leitura o senhor faz do ensino teológico no país?

Os seminários teológicos disseminaram-se por todo o país, o que é um aspecto positivo. Contudo, esse crescimento se deu de forma desordenada, com a consequente queda do nível acadêmico. Vemos escolas que são verdadeiros caça-níqueis e muita picaretagem. Além disso, temos a presença crescente da teologia liberal e vemos denominações que ainda não valorizam adequadamente a educação teológica. Mas, ainda assim, podemos dizer que temos muito bons seminários em quase todos os estados do Brasil, entidades que procuram conciliar nível acadêmico, ortodoxia, piedade e ética.

Mídia e Igreja Evangélica sempre tiveram uma relação de desconfiança, causada pelo preconceito, por parte da primeira, e pela fuga ao diálogo, comportamento típico da segunda. Para o senhor, como tem sido esse relacionamento hoje?

A mídia, assim como a academia, as artes e o aparelho do Estado, estão hegemonizadas pela ideologia do secularismo travestida de laicismo. Essa corrente quer varrer da esfera pública o argumento religioso, confinado à irrelevância do interior dos tempos e dos lares, ou da subjetividade. No passado, havia o preconceito católico romano e marxista; hoje, o preconceito é oriundo do secularismo. Os protestantes são duplamente discriminados – ora são considerados irrelevantes do ponto de vista da notícia, ora estão no noticiário de maneira negativa ou sendo ridicularizados. Ao contrário da Igreja Católica e dos cultos afroameríndios, ainda não fomos nem assimilados nem legitimados como parte da cultura nacional. De nossa parte, no geral, temos pouca produção midiática que concorra para reverter esse quadro. O que há de bom ainda está voltado para o público interno, e muito pouco para o público externo.

Fonte: Cristianismo Hoje